O 'gene' do jogo do bicho dos Cachoeira
É num quarto do Hotel Palace, prédio decadente dos anos 1950 no
centro de Anápolis, a 55 km de Goiânia, que mora o mineiro Sebastião Almeida
Ramos, o Tião Cachoeira, 82 anos, pai de Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos
Cachoeira, contraventor preso por suspeita de chefiar a máfia do caça-níqueis no
Centro-Oeste e controlar uma rede criminosa com ligações com governadores,
senadores, prefeitos, juízes, desembargadores, delegados e até padres.
Motorista de caminhão que transportava argila de Minas Gerais
para as obras da construção de Brasília, Tião transferiu a mulher, Maria José, e
os filhos da Fazenda Cachoeira - daí o apelido -, de Araxá para Anápolis. Foi
numa cidade em ebulição repleta de migrantes, entre Goiânia e os canteiros da
nova capital federal, que Tião começou a trabalhar no comércio ambulante e como
apontador de jogo do bicho - o responsável em anotar as apostas.
Mais tarde, ele já estava em sociedade com Pintadinho, um
bicheiro tradicional na cidade.
Nos anos 1960, Tião se separou da mulher. A
separação foi um trauma para os 14 filhos (12 estão vivos), contam ex-vizinhos
da família na antiga Vila Góis, em Anápolis. Carlinhos, Marquinhos, Paulinho e
Julinho saíram em defesa da mãe, mas, sem estudo e influência, foram aos poucos
ajudar o pai no 'negócio' do jogo do bicho. Tião se desentendeu com Pintadinho.
Depois de uma série de atritos, levaram em conta os conselhos de amigos e
dividiram as bancas da cidade.
Aos poucos, Carlinhos foi assumindo o 'negócio' do pai e
abocanhando as bancas de Pintadinho. Já Marquinhos, com quem Carlinhos vivia uma
disputa eterna em família, concluiu o ensino médio e passou num concurso do
Banco de Brasília.
A guinada de Carlinhos Cachoeira ocorreu nos anos
1990, quando o então governador Maguito Vilela (PMDB) lhe deu a concessão da
Loteria do Estado de Goiás, a LEG. Hoje, Vilela, prefeito de Aparecida de Goiás,
se limita a dizer que era apenas um colega de futebol do 'menino' Carlinhos nos
campinhos de Anápolis.
Foi naquela década que Carlinhos esteve no Rio de Janeiro para
se apresentar aos bicheiros Castor de Andrade e Anysio Abraão Davi e frequentar
os camarotes das Marquês de Sapucaí, levando sempre os irmãos. O velho Tião
continuava a morar no decadente Hotel Palace, enquanto Carlinhos começava a
desenvolver em Goiás. Carlinhos virou pioneiro no bingo eletrônico e no jogo de
caça-níquel no Centro-Oeste. Tião passou a 'exercer' a função de jogador
incontrolado de caça-níqueis. 'Pelo menos o dinheiro volta para a gente', disse
Carlinhos, resignado, numa roda de amigos, segundo um parente.
O velho Tião, que gosta de dizer que é afilhado do
ex-presidente Juscelino Kubitschek, é um homem que fala pouco, sempre
introspectivo e que não costuma falar de sua vida.
No período que coincide com a chegada de Marconi
Perillo (PSDB) ao governo de Goiás, no fim dos anos 1990, Carlinhos ampliou sua
rede de contatos e se mudou para Goiânia, onde comprou um apartamento no
Excalibur, um edifício de apartamentos de luxo no centro da cidade em que
residem cantores sertanejos e empresários da soja. Levou junto os irmãos
Julinho, visto por alguns como o braço direito dele, e Paulinho, que morava em
Uberaba.
Luizinho foi colocado no comando de uma casa de carteado em
Anápolis, frequentada por um seleto grupo de empresários. Outro irmão, Juninho,
passou a ajudar Carlinhos nas empresas que a família abria em setores legais da
economia.
Finalmente, Carlinhos virava um empresário do
Distrito Agroindustrial de Anápolis, o Daea, aberto há cerca de 25 anos, e que
transformou a cidade, atraindo milhares de migrantes.
A cidade que nos anos 1950 tinha 50 mil habitantes hoje abriga
340 mil moradores. A entrada de Carlinhos no Daea era um marco para um homem
tímido, que, assim como o pai e os irmãos, nunca ostentou dinheiro e sempre
esteve à sombra de poderosos.
Marquinhos deixou o Banco de Brasília e abriu uma loja de
factoring em Anápolis. Para o irmão Ricardinho, o Pipoca, sobrou a área que,
agora, era a menos rentável: a Girafa, como chamam a 'empresa' de jogo do bicho
na cidade.
Os amigos da família também foram sendo
incluídos nos negócios de Cachoeira. Foi o caso de Frei Valdair, ligado à
matriarca Maria José, que recebeu apoio para incrementar a programação da rádio
São Francisco, mantida pela Igreja.
Estar perto de Carlinhos também 'motivou' os amigos a
'crescerem' na vida, afirma um outro parente do contraventor.
Carlos Nogueira, o Butina, amigo apresentado por Frei Valdair,
em poucos anos passou de contínuo na rádio para publicitário de sucesso e dono
de dois canais fechados de TV e um jornal de abrangência regional.
A Polícia Federal incluiu na rede comandada por
Carlinhos dezenas de políticos, empresários, desembargadores e policiais. É essa
rede que a CPI mista do Congresso começará a investigar. A prisão do
contraventor, no dia 29 de fevereiro aparentemente uniu a família, que vivia às
turras nos últimos anos. Há cerca de três anos, Marquinhos reclamou que o irmão
estava se dedicando demais à 'política'. 'Virou político', criticou. Na última
semana, a três amigos, ele contabilizou que o irmão poderia ter repassado R$ 1
bilhão para os 'políticos' nestes últimos anos.
Edição: anapolisGOnews
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